(eter)

31 outubro 2006

directrizes

Vão ser os primeiros e últimos aqui publicados.
Até mudar de ideias...

“Embriagai-vos.
Deve-se estar sempre embriagado; nada mais importa.
Para não sentir o horrível fardo do Tempo que esmaga os vossos ombros e vos faz pender para a terra, deveis embriagar-vos sem tréguas.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha, mas embriagai-vos!
E se alguma vez, nos salões de um palácio, sobre a erva verde de uma vala ou na solidão morna do vosso quarto, acordardes de uma embriaguez evanescente ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio, vos responderão: “São horas de vos embriagardes!
Para não serdes escravos martirizados do tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem cessar!
De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha”.

Baudelaire


CÂNTICO NEGRO
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.
Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
Sei que não vou por aí.

José Régio

4 comentários:

Maria Strüder disse...

No meu caso falta-me alguém para me dar a mão. Para me ensinar a andar. Mais uma lamento para a lista...

9-9 disse...

Não é musica, mas estes poemas ficam aqui muito bem.

Anónimo disse...

estes não podiam passar sem que os publicasse.
é certo que são mais que conhecidos, mas são a pedra de toque de muitas alminhas que por aqui andam.
mas enfim, foram a excepção à regra num blogue essencialmente musical.

Rhythm & Blues disse...

gosto muita da embriagez, seja ela qual for, quanto ao "cãntigo negro" é um poema delicioso, feito ao ritmo duma conversa não sendo só para ouvir mas essencilamente para escutar.